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A partir da crise sanitária provocada pela pandemia da Covid-19, no início de
2020, a população foi orientada a manter o distanciamento social. Dentre os setores
orientados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a seguirem as normas de saúde,
as escolas e universidades estavam entre as primeiras a cancelarem suas atividades
presenciais. O ensino remoto passou a ser a alternativa possível para dar continuidade às
atividades escolares e acadêmicas.
Constata-se que professoras e professores se encontram em situação de forte
abalo nos modos de organização do trabalho docente, organização essa que é produzida,
cotidianamente, quando trabalhadoras e trabalhadores fazem a gestão da distância,
sempre presente, entre Trabalho Prescrito e Trabalho Real, ou ainda, dito de outro modo,
renormatizando o meio. Atentar para este abalo consiste em uma relevante questão para
pesquisa tendo em vista o impacto para a saúde de docentes, bem como para a qualidade
do trabalho formativo em escolas e universidades cujos impactos são significativos para
essa e as futuras gerações. As mudanças nos modos de organização do trabalho em curso
implicarão em efeitos cognitivos e subjetivos sem precedentes, tanto para professoras/es
quanto para estudantes. Dentre as dificuldades experimentadas no momento inicial no
campo da educação o que temos presenciado, é a falta de preparo para o emprego das
tecnologias digitais por parte de docentes, mas, sobretudo, a perplexidade diante de um
trabalho que ora se exerce diferentemente do habitual e para o qual ainda não são
suficientemente dominados os signos necessários para conduzir a tarefa e para avaliar os
seus efeitos junto aos discentes.
No âmbito do trabalho docente professoras e professores enfrentaram mudanças
expressivas em suas estratégias de ofício, o que produz forte sensação de insegurança,
bem como temores no que tange à efetividade do exercício de seu trabalho. Soma-se a
isso, o fato de que a necessidade do Trabalho Remoto durante a Pandemia parece
encontrar sustentação em um plano discursivo neoliberal que visa normalizar tal
modalidade de trabalho no Pós-Pandemia com base no argumento da redução de custos,
mas cujos efeitos, do ponto de vista da fragilização das práticas educativas tecidas no
coletivo, são expressivas.
Afinal, como proceder para que os conteúdos sejam ministrados e efetivamente
aproveitados pelos estudantes do ponto de vista do aprendizado? Quais são os conteúdos
necessários em tempos de radical transformação das urgências sociais, psíquicas, políticas
e econômicas em todo o mundo? Como avaliar os percursos da experiência formativa?
Como organizar situações de aprendizagem respeitando as orientações de distanciamento
social? Como estabelecer relações confiantes na potência da vida em tempos marcados
pelo risco da morte e também, do luto a ser vivido por aqueles e aquelas que não
sobrevivem a ameaça do vírus? Como exercer a docência resistindo às investidas que
forçam processos de individualização? Os referenciais conceitual-metodológicos são
oriundos do campo das Clínicas do Trabalho notadamente as abordagens que analisam o
trabalho como atividade, a saber, Ergologia e Clínica da Atividade.
Nessa Mesa Redonda apresentaremos, movidas por tais questões acima
apresentadas, análises relativas a quatro experiências de pesquisa-intervenção brasileiras.
A primeira pesquisa se refere a experiência vivida de forma remota junto com
professoras do ensino básico do município do Rio de Janeiro em parceria com a Secretaria
Municipal de Educação do Rio de Janeiro. No segundo semestre de 2021, a Secretaria
lançou um programa de Saúde Mental na qual nosso projeto está incluído. Após o
lançamento do programa, convidamos os professores a participarem de uma Roda de
Conversa sobre Saúde e Trabalho por meio da plataforma googleforms. A Roda de
Conversa ocorreu nos meses de novembro e dezembro de 2021 e realizamos encontramos
de restituição em abril de 2022, ambos foram realizados de maneira remota por meio da
plataforma meet. Utilizamos na Roda de Conversa como método indireto para colocar em
debate o trabalho, a Oficina de Fotos, ancorado na metodologia da Clínica da Atividade,
entendendo a produção fotográfica como um instrumento que possibilita o trabalhador a
ser o protagonista da própria análise do trabalho. Visamos, então, nessa mesa redonda,
apresentar a vivência dessa experiência pensando em que possibilidades e potencialidades
os instrumentos de análise da atividade tem no sentido de ampliar o poder de agir dos
trabalhadores, fortalecendo o coletivo de trabalho, mesmo que remotamente.
A segunda pesquisa, do Programa de Formação e Investigação em Saúde e
Trabalho (PFIST/UFES), tem como objetivo analisar como tem se desenvolvido os
processos de trabalho em educação em tempos de pandemia e cartografar os caminhos
desenhados por trabalhadoras e trabalhadores da educação em municípios da Grande
Vitória por meio da biografemática proposta por Roland Barthes. Propõe métodos de
intervenção em Clínicas do Trabalho por meio de biografemas de trabalhadoras e/ou
trabalhadores da educação da Grande Vitória e, então, discutir junto com esses/as
educadores/as o trabalho realizado a partir da modalidade on line, imposto pela situação
pandêmica. Visa, então, construir políticas públicas em educação, na situação singular
vivida no nomeado “ensino remoto”, que exige uma reconfiguração na organização do
trabalho, não abrindo mão do compromisso com a coletivização da gestão do trabalho em
educação, com a publicização das relações entre trabalho (saberes), sujeitos
(necessidades, desejos e interesses) e poderes (modos de relacionar saberes e sujeitos).
Como cuidar do trabalho em educação para cuidar dos trabalhadores e das trabalhadoras?
Essa é a questão que insiste na condução da pesquisa.
A terceira pesquisa trata de uma pesquisa-intervenção com professores e
professoras do ensino superior, com objetivo de remontar uma história recente a partir
das narrativas das experiências do trabalho docente na pandemia. A Universidade não
parou apesar do ensino superior não ter entrado na lista das atividades essenciais dos
órgãos políticos e sanitários que controlavam a disseminação do vírus em busca do
controle da pandemia. As atividades da universidade não foram interrompidas,
mantiveram-se o fluxo do ensino, pesquisa, extensão e das atividades administrativas
desde o início da suspensão das atividades presenciais, em março de 2020. Sua
continuidade foi possível na modalidade de ensino remoto emergencial. Na prática
estavam todos e todas trabalhando de casa, a partir dos computadores particulares,
estrutura doméstica de internet e mobiliário, compartilhando o cotidiano familiar,
igualmente isolados em casa. Nesse momento, precisamos abrir um parêntese para
esclarecer que associado à crise sanitária, o Brasil estava vivendo uma crise política. As
universidades federais já vinham com cortes de investimentos públicos e desqualificação
da ciência e discursos antivacina. A partir desse cenário, apresentamos a co-análise do
trabalho remoto de cinco professores de ensino superior com suas experiências do fazer
uma universidade possível em tempos de pandemia. Colocando em diálogo a atividade,
pois “é em atividade e no diálogo que a atividade supõe que os meios para ação se
desenvolvem” (Osório da Silva, 2014). Utilizamos os dispositivos de e-mail e WhatsApp
para receber as narrativas dos docentes com suas memórias, ou fragmentos delas, através
de manifestações com fotos, poesia, música, carta endereçada, relatos gravados ou
escritos, depois essas memórias e narrativas foram compartilhadas no dispositivo grupo
online, através do google meet, a fim de estabelecer o diálogo e colocar o trabalho em
análise.
O quarto trabalho versa sobre a experiência de pesquisa realizada em caráter
multicêntrico, reunindo três Universidades Brasileiras (UFRGS, UFES e UFF) em torno
do tema das narrativas docentes na pandemia enquanto produção de memória do ofício e
de prática de cuidado na educação. Dá-se destaque ao dispositivo empregado na pesquisa
que consistiu em postagens de histórias sobre o ofício docente na pandemia em uma
plataforma que se pretendeu ser espaço dialógico, bem como em rodas de conversa
realizadas em caráter remoto com docentes do Ensino Fundamental. Discute-se o tema
das medialidades tecnológicas empregadas para efetivação de pesquisa no campo clínico
do trabalho em tempos de pandemia, bem como são tecidas considerações a respeito da
pesquisa realizada enquanto atividade neste contexto.