Sobre a Pesquisa

NARRATIVAS DO TRABALHO DOCENTE NA PANDEMIA DE COVID-19 PELA MEMÓRIA DO OFÍCIO, PRÁTICAS DE CUIDADO NA EDUCAÇÃO

Desde março de 2020, a pandemia do coronavírus demandou a suspensão das aulas presenciais na rede básica da Educação Pública de nosso país. Muitas professoras e professores foram desafiados a (re)inventar formas de dar aula, por meio do ensino remoto temporário. Eles precisaram refazer planejamentos e rever estratégias para se aproximar dos alunos e da comunidade escolar. Com o avançar do tempo pandêmico, vão se esboçando possibilidades de retornos presenciais e se fala também de retornos híbridos. Ao mesmo tempo, professoras e professores reivindicam a imunização como forma de retorno seguro às aulas. Entendemos que um olhar atento para todas essas situações pode permitir que acompanhemos tanto as potências inventivas de professoras e professores, em meio a um contexto adverso e difícil, quanto as limitações experimentadas pelas e pelos docentes da educação básica no que se refere à realização de seu trabalho.

Para criar um grupo amplo de pesquisa, reunimos professores e pesquisadores de três universidades públicas de nosso país (mais especificamente, da região Sul e Sudeste) e esperamos compor com trabalhadoras e trabalhadores da educação uma rede de produção de conhecimento a respeito do trabalho docente na pandemia de Covid-19. Pretendemos colher e produzir uma diversidade de registros, narrativas e dados que partam de condições singulares e estabeleçam questões em comum dentro desse campo de práticas e invenções. Acreditamos também que esse espaço de narrar e compartilhar narrativas é um espaço de cuidado e fortalecimento.

Interessa-nos muito escutar suas experiências e suas estratégias de ensinar e aprender durante a pandemia. Por meio de suas histórias, é possível indicar coisas que estão se passando, bem como falar das sensações experimentadas no momento da realização do trabalho e mesmo durante as dificuldades enfrentadas para sua realização. Com isso, esperamos acolher, conhecer e estudar o trabalho em Educação e as novas configurações que ele assumiu devido à pandemia. Nesse sentido, propomos a criação de um espaço de compartilhamento que envolve ‘aprenderes’ e ‘saberes’ docentes durante a crise sanitária vivida, produzindo, assim, uma prática de cuidado às trabalhadoras e trabalhadores da Educação.

Assim, através do compartilhamento de histórias, podemos pensar sobre os impactos na vida de cada uma e de cada um no campo da Educação, durante o coronavírus. O que vai sendo transformado, nas práticas cotidianas de um trabalho que se fez remoto? Em caso de retorno presencial, quais os desafios experimentados considerando-se a demora na cobertura vacinal? Quais são as dificuldades encontradas para realizar um trabalho satisfatório?

De que maneira as trabalhadoras e trabalhadores da Educação estão apostando em novos modos de trabalhar e de educar? Como podemos, por meio dessas experiências, registrar a história do ofício docente durante e a partir da pandemia de Covid-19? Essas perguntas visam deflagrar aberturas para os sentidos que serão construídos em cada compartilhamento de experiências e afetos.

E como participar? Primeiramente, será necessário fazer um cadastro nessa plataforma e acessar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Participar da pesquisa consiste em enviar narrativas sobre esse momento peculiar do trabalho docente em meio à pandemia (quantas narrativas você quiser!), na medida do possível acompanhar e comentar as histórias postadas por outros participantes, bem como os comentários da equipe pesquisadora que também serão aqui postados e se houver disponibilidade, participar de uma roda de conversa (online).



Porto Alegre, 31 de julho de 2024.

A emergência de um “outro” ofício docente, ou de um “ofício docente outrado” pela experiência da pandemia de Covid-19?

Hoje já sabemos que vivemos um cenário de incertezas a respeito dos efeitos da Covid na vida das pessoas, tanto das pessoas que do vírus padeceram diretamente quanto daquelas que apenas viveram a ameaça do contágio. Também já sabemos da existência de quadros de Covid Longa[1] e da emergência de novos contornos biográficos para as pessoas por eles acometidos (SEGATA & LÖWY, 2024), bem como do fato de que ainda se fazem sentir os efeitos traumáticos da situação pandêmica, muitos deles relativos a elaboração do luto por perda de entes queridos, e/ou de reconstrução de novas condições de vida. No que tange ao Rio Grande do Sul (RS), ora se somam aos efeitos do trauma relativos à calamidade que atingiu o estado pelas enchentes de maio e junho do corrente ano.

Os impactos da pandemia acarretam, segundo Segata e Löwy (2024), um processo de transformação de si e do seu mundo. “Trata-se da emergência de uma nova pessoa, cuja história se torna inseparável da história da própria doença no seu corpo e na sua vida”, dizem eles (p.5).  E a partir daí, pensamos poder pensar também em termos da emergência de um “outro” ofício docente, ou de um ofício docente “outrado” pela experiência da pandemia, de maneira que temos aí uma importante questão clínica do trabalho a ser acompanhada.

As transformações por nós sofridas a partir da pandemia dizem de efeitos que se fazem sentir nos mais distintos espaços e nas mais diversas respostas que damos diante dos desafios da vida. No caso do RS, por exemplo, referimo-nos constantemente a calamidade como “pandemia” expressando o quanto o limiar é tênue entre a perturbação experimentada pela questão sanitária e agora a questão climática e governamental no que tange a prevenção de situações como essas, bem como ao seu enfrentamento. Se na primeira o povo gaúcho teve a consigna “fique em casa”, agora a consigna era “deixe sua casa” passando muitas pessoas pela experiência dramática de perderem seus pertences, suas moradias e até mesmo seus territórios quando considerados de risco. Quanto às escolas no Rio Grande do Sul, muitas delas que já se encontravam em situações precárias de infraestrutura, agora enfrentam desafios adicionais tendo algumas delas ainda sequer retornado às aulas presenciais.

Do ponto de vista do que podemos pensar em termos de “a pandemia que não acabou” no que se refere às escolas, deparamo-nos hoje com pessoas que ainda padecem de sintomas associados à Covid, estudantes com déficits de aprendizagens exigindo adaptações de estratégias pedagógicas por parte de professoras e professores, evasão escolar impondo criação de meios para chegar até estudantes, dificuldades emocionais por parte de discentes, docentes, funcionárias e funcionários, bem como de familiares, e ainda, com negociações referentes aos modos de trabalhar que foram produzidos no auge da pandemia e que ora perseveram ou já foram abandonados para dar passagens a outros.

Tais elementos da história do ofício docente que se prossegue a tecer enquanto se trabalha, consistem em aspectos que dizem respeito aos modos como se está trabalhando na docência hoje, ainda com as marcas dos atravessamentos da pandemia.

Segundo Segata & Löwy (2024; p.7):

(…) a declaração de que a pandemia não terminou ressalta a experiência concreta das pessoas afetadas na busca por tratamentos e cuidados e pelo respeito ao seu direito à saúde. O objetivo é destacar as diversas perdas e transformações que seguem provocando alterações significativas em suas vidas, mesmo após o término epidemiológico da pandemia. Isso inclui o luto, a recuperação do trabalho, o reequilíbrio financeiro e a qualidade de vida, nem sempre fáceis de serem resolvidos. Portanto, as lutas pelo reconhecimento e pelo cuidado com a covid longa manifestam-se como a expressão de um sofrimento ainda sem respostas – uma pandemia que, efetivamente, não terminou.

                Sendo assim, do ponto de vista da atenção a saúde de trabalhadoras e trabalhadores parece-nos importante considerar de que modo a pandemia inscreve-se nos modos como trabalhamos na docência da educação infantil e básica no presente, traçando os percursos dos corpos que já foram combalidos pela Covid, ou que apenas por ela foram ameaçados e cujos efeitos não são menos importantes. Trata-se de acompanhar como tais impactos se expressam nos rumos dos fazeres e agires docentes. Percorrendo os encontros desses corpos no enfrentamento diários das imprevisibilidades que caracterizam todo trabalho considerando ainda, as modificações na organização do trabalho geradas no período da pandemia e que perduram em forma de estilizações (CLOT, 2010) dos modos e trabalhar, seguimos atentas ao que se passa por entre o trabalho docente. Buscamos, dessa maneira, ajudar a traçar a história do ofício docente atravessada e transversalizada pela pandemia, história essa que diz de lutas pela saúde que hoje ganham contornos peculiares naquilo que pensamos poderia ser assim denominado: a emergência de um “outro” ofício docente, ou de um ofício docente “outrado” pela experiência da pandemia de Covid-19.

                Lembramos da fala de professoras participantes da pesquisa relatando seu receio de que o que aconteceu com elas e com seu ofício na pandemia fosse esquecido. Cabe a nós encontrar meios de luta contra esse esquecimento!


Referências: 

CLOT, Yves. Trabalho e Poder de Agir. Belo Horizonte: Sobrefactum, 2010.

SEGATA, Jean & LÖWY, Ilana. Covid longa, a pandemia que não terminou. Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 30, n. 70, e700601, set./dez. 2024



[1] Quadro nosológico de contornos vagos ainda e que indicam uma série de sintomas não existentes até a época do contágio e sujas conseqüências ainda encontram-se em estudo.


Coordenação

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Fabio Hebert da Silva

Psicólogo, Professor e Pesquisador

UFES

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Fernanda Spanier Amador

Psicóloga, Professora e Pesquisadora

UFRGS

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Maria Elizabeth Barros de Barros

Psicóloga, Professora e Pesquisadora

UFES

Membros da Pesquisa

Cláudia Osorio da Silva

Psicóloga, Professora e Pesquisadora

UFF

Mateus Dias Pedrini

Estudante de psicologia

UFES

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Cleci Maraschin

Psicóloga, Professora e Pesquisadora

UFRGS

Lívia Maria Martins Hermelino

Estudante de psicologia

UEMG

Gabriel Telles Rocha

Estudante de Psicologia

UFRGS

Aline Santos

Estudante de Psicologia

UFRGS

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Lúcia Almeida da Silva

Psicóloga e Doutoranda

UFRGS

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Cristiane Bremenkamp Cruz

Psicóloga e Pós-Doutoranda

UFES

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Psicóloga e Mestranda

UFRGS

Raquel Rosa

Psicóloga e Pesquisadora

UFRGS

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Patrícia Krieger de Oliveira

Psicóloga e Pesquisadora

UFRGS

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Juliana Prediger

Psicóloga e Doutoranda

UFRGS

Cristiane da Silva Costa

Psicóloga e Pós-Doutoranda

UFRGS

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Daniel Rodrigues Fernandes

Psicólogo e Doutorando

UFRGS

Miguel Levi de Oliveira Lucas

Psicologo, mestrando

 UFSJ

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Marianna Araujo da Silva

Psicóloga e Pós-doutoranda

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Karla Memória Lima

Psicóloga e Pós-Doutoranda

UFF

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Jéssica Prudente

Psicóloga, Professora e Pesquisadora

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Maria Carolina de Andrade Freitas

Psicóloga e Pesquisadora

UEMG

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Luciana Albuquerque

Psicóloga e Pesquisadora

UFES

Natália Tayná Campos Leite

Estudante de Psicologia

UEMG

Sofia de Souza Gomes

Estudante de Psicologia

UFES

Participantes e colaboradores
da pesquisa na primeira etapa

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Vilene Moehlecke

Psicóloga e Pós-Doutoranda

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Claudia Baeta Abbês Neves

Psicóloga, Professora e Pesquisadora

UFF

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Daniela Navarini

Psicóloga e Mestranda

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Larissa Ko Freitag Neubarth

Psicóloga e Mestranda

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Luís Giorgis Dias

Pesquisador

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Bruno Elkfury Monticelli

Estudante de Psicologia, Bolsista Iniciação Científica

UFRGS

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Vanessa Maurente

Psicóloga e Pesquisadora

UFRGS