Saudades. Saudades dos/as estudantes e daquele papinho antes da aula, quando nos inteirávamos de suas vidas, sonhos, dúvidas, medos e podíamos mediar mais satisfatoriamente uma aula que efetivamente fizesse sentido para eles/as. Saudades de movimentar meu corpo por entre corredores, carteiras colocadas em círculo, espaços comuns e cheios de afetos, desde um pedido de ombro amigo até um abraço apertado ou beijo estralado cheirando a café. Saudades de saber da vida dos/as estudantes, conhecê-los/as, cheirá-los/as, rir com eles (de algo, deles e de mim) ou saber-lhes o amargor das lutas cotidianas. Saudades de encontrar amigos/as e colegas profs. por entre corredores, saber das fofocas, das pesquisas, de um campo de estágio novo, de um perrengue no comitê de ética, falar (geralmente mal) do governo (em todos os níveis) e debater a nossa existência professoral em um espaço pulsante, vivo, cheio de problemas, mas pleno em soluções coletivamente gestadas. Por que insisto em saudades em março de 2022? Porque há dois anos estou afastada do ensino presencial. O computador virou o meu meio de comunicação com meus/minhas estudantes, colegas, chefia … com o mundo! Sinto que o ERE me destituiu de um lugar no qual eu me divertia: a sala de aula, cheia de interações, de perguntas, provocações, confrontações. Sim, sempre deu trabalho! Mas dava MUITO prazer. Não é mais diversão, não é mais prazer. Virou um trabalho “qualquer”, realizado por obrigação, meio “protocolar”. Tem dias que eles/as não abrem a câmera e não participam. Pareço estar numa sessão espírita: “tem alguém aí? Dê um sinal!”. Semestre a semestre eu me reinvento, faço coisas para tentar aumentar o engajamento. Busco vídeos, faço fóruns de discussão, padlets, gravo aulas… Algumas vezes fui feliz, outras não rolou. No fundo, acho tudo sem vida…. tem coisas que os/as estudantes gostam (sim, eles/as me elogiam!), mas eu me acho tão… pouco! Eu fiz questão de reforçar para mim mesma e para os/as alunos/as o “emergencial” do ERE. Só enquanto durar a pandemia… mas ela ainda dura!
Bom, vamos voltar ao presencial. Outro dia me peguei pensando no retorno ao ensino presencial, que, em minha instituição de ensino, ocorrerá em abril de 2022. Não sabemos quais dificuldades efetivamente enfrentaremos (imagino que serão muitas, desde financeiras, de espaço físico, sanitárias, até negacionistas de plantão), nem sabemos como os/as estudantes retornarão (se retornarão!). Mas de uma coisa tenho certeza: vou de peito aberto, máscara na cara e álcool gel mas mãos. Só acredito na aula como um acontecimento no qual corpos e mentes estão lá, pulsantes e em interação. Aula viva, dignamente mediada pelo/a docente. Seja lá o que enfrentaremos, desde pandemia até o pandemônio, a força do coletivo voltará a me nutrir. Meu ser docente precisa disso, da força do coletivo. Talvez não tenhamos beijos cheirando a café pelo distanciamento necessário, mas teremos o “nós” de novo. Pessoas, não quadradinhos em tela, conexões instáveis e pouca interação. Não acho que será tranquilo, mas acho que será viável e começo a me sentir mais animada em meu trabalho. No fundo, sinto saudades de mim.
Amei fazer este relato. Lavei minh’alma.
Mafe, muito obrigado por compartilhar conosco sua narrativa e essa sensação. Saudades tem essa coisa curiosa, que dói, mas compartilhar nos lembra que andamos juntos, não é?
Muito forte essa percepção do que faz falta agora, daquilo que sustentava a nós e a um trabalho, e se perdeu em meio a todo um novo fazer (será que novo?) que por vezes se mostra, como tu bem disse, muito protocolar. Até achei curioso brincar com essas duas imagens talvez discrepantes, do processo protocolar e de um certo misticismo da sessão espírita: ficamos supondo presenças que talvez não estejam lá, e mesmo que estejam, não é a mesma coisa. Como investir de vida esses espaços (sejam eles virtuais ou outros)? A saudade da qual tu fala me remete a muita vida (sejam as pequenas impressões que preenchem um dia de trabalho, sejam os incômodos de um fazer, mas sobretudo todos os encontros com os quais tu inicia teu relato estão carregadas de vida e de um desejo de vida). Talvez ainda leve um tempinho (e mais que tempo, uma série de pequenos cuidados e práticas) para voltarmos aos beijos e abraços cheirando a café, mas esse coletivo nos aguarda.
Espero que esteja conseguindo lidar com essa saudade de si, e possa se encontrar contigo mesma nesse ânimo bem em breve. A força e a vida desse relato apontam pra uma saudade que é também potência, e novamente te agradeço muito por compartilhá-la conosco.