Não tenho o intuito de relatar todo meu sentimento e nem tudo o que refleti sobre a situação da pandemia. Gostaria somente de esboçar algumas linhas dentre as tantas que já desenhei em minha cabeça. Partes, porque não me atrevo a falar do todo, com receio de esquecer de algo ou generalizar demais.
Meu trabalho se transformou com a pandemia, porque não sou mais a mesma. Talvez uma das coisas mais significativas sobre isso tenha relação com a experiência do imprevisível. Não saber o que vai acontecer, mostrou para mim: que a escola é parte de uma engrenagem muito maior, que ainda preciso lidar com minhas ansiedades quanto ao não planejado, o quanto o social afeta a aprendizagem e que a vida é muito breve, breve mesmo.
Em termos práticos, o imprevisível invadiu tanto meu cotidiano que criamos um slogan entre as colegas, até já conhecido: “um dia de cada vez”. Isso de certa forma me acalmava e me dava certa segurança em dizer para as famílias “eu não sei”. A escola sempre sabe de tudo. Estar em uma posição tão vulnerável mostrou certa fragilidade. A instituição que não é só feita de leis, normas, regras, muros, projetos… A condição de ser feita de pessoas, pulsações, atravessamentos….uma escola de gente.
Novamente, tentando voltar aos caminhos do cotidiano, demorou certo tempo para que estruturássemos uma forma de prática docente, afinal, era preciso cuidarmos de nós mesmas. Mas fomos clareando muitas ações, a medida em que olhávamos para a realidade apresentada e buscávamos interpretar, a nossa maneira. Ressignificamos várias propostas para dar conta de um vínculo que fora se perdendo com a escola.
Não existe educação infantil remota! E essa verdade, que continuo acreditando até agora, precisou ser encurralada e esquecida. Agora vai ter que existir de algum jeito! E este foi o maior dos imprevistos pedagógicos que vivi, o que me ajudou hoje a afirmar o que eu já pensava. Mas também me fez acreditar que a escola se reinventa, ela está a serviço da aprendizagem. Nada mais do que isso, aprender sobre si e o mundo.
Dentre tantas lives que fiz, vídeos, kits de materiais, ligações, fotografias e outras ferramentas, elas eram comunicação. Para ser interação, é preciso mais de um. Eu interagi com algumas crianças, com outras não. Quem decide esta interação? Quem fomenta esta interação? O imprevisível da mediação, que se tornou tão fundamental quanto as duas partes.
Coincidência ou não, após o retorno presencial (e aí continuo lidando com vários sentimentos e estranhamentos frente essa nova realidade de estar juntos), comecei agora uma pós graduação nova, em Mídias e Educação. Nunca me interessei neste tema (não era o preferido das minhas escolhas). Talvez eu queira saber mais sobre interação. Não são os recursos, as ferramentas, os instrumentos, são as escolhas, as necessidades, os desejos, as relações. Parei de ver a mídia como uma linguagem dentro da educação. Não é mais possível. Estamos em um mundo onde as relações com o mundo mudaram, as formas de experiência também. Vivemos agora um um mundo midiático. Como em um rizoma (nada linear), a aprendizagem passa pelas vivências diversificadas e inesperadas também, que se cruzam, se deslocam, se conversam.
Se me sinto desafiada a pensar sobre estas relações de comunicação, de interpretação do mundo (para eu também me sentir parte dele). Este foi meu breve recorte de relato, o qual acho que não está pronto. Talvez demore a estar!
Obrigada profe De, pelo seu relato e partilha da experiência. Fiquei bastante curiosa sobre os estranhamentos que você tem sentido frente a nova realidade de estar junto com os alunos presencialmente. Espero que possamos conversar mais sobre os desafios experimentados e que você possa, junto conosco, sentir-se cuidada neste exercício docente repleto de exigências de reposicionamento… Abraço forte!
Oi Cristiane! Tenho vivido o cotidiano de forma diferente, a pandemia gerou isso. Estar com as crianças me leva novamente ao encantamento de trabalhar, mas também de superar os medos. O abraço, o beijo, o colo, tudo isso passou a ser mais difícil….a máscara… quantas coisas aconteceram e que me faz pensar o quanto é preciso se reinventar. Aprender a estar junto de novo. Frente aos protocolos, aos receios, aos álcool gel que estão por toda parte, uma profe com saudades. A saudade me moveu e a vontade de estar com as crianças é grande. Seguimos!!!
Adorei a expressão experiência do imprevisível!! o imprevisível nos desafia Profe!! Ao nos desafiar nos fortalece!! Muito bom estar vivendo essa experiência que, acredito, não é novidade para vc. No entanto, esse imprevisível está com roupa nova, não é mesmo? Militantes da educação – esse imprevisível nos espreita cotidianamente no exercício de nosso trabalho!! Isso é belo! Dimensão estética do nosso ofício. Muito bom!
Experiência do imprevisível cujos riscos há que se correr coletivamente! Nossa prática de seguirmos contando a história do ofício por estratégias de conversa parece ter uma potência interessante para nos fortalecermos e a nossa saúde pelo exercício do nosso trabalho docente! Afinal: o que acontecerá com essa história, de trabalho docente na pandemia, se não a contarmos?
Penso muito sobre isso…é preciso contar as nossas histórias, revisitar memórias. Que bom estar partilhando um pouco desta trajetória, a qual tem me feito crescer e não quero que se perca, porque já faz parte de mim.
Sabe, Debora, a contação de histórias anda crescendo por aqui! Contamos o que se passou, o que se passa e parece que começamos a contar, também, o que vem…
Sim, dimensão estética e política! Abraços!
Olá profe! “Experiência do imprevisível”: sua expressão me tocou fortemente! Há que se ter coragem para tal, não é mesmo? Coragem experimentada no coletivo! Além disso, sua percepção de que nesse mundo midiático as tecnologias dizem de algo que remete a ferramentas mas também, e talvez sobretudo, dizem de desejos e relações! Achei muito interessante essa perspectiva porque entendo que estamos vivendo uma intensa produção/modificação nos modos de sentir, agir e pensar operada por essa hibridicidade “humanos-máquinas”. Falas de uma instigante dimensão de nossa experiência na pandemia, experiência essa que se amplificada em termos de debate entre docentes pode se converter em uma importante estratégia de cuidado entre nós e de nosso ofício docente!
Olá, Profe De, e obrigado por compartilhar sua história com a gente (pronto ou não, a gente se usa dos fios que são lançados e vamos com isso formando nossa rede; talvez um pouco como a educação é, cada um trazendo algo, nem sempre pronto, mas com possibilidade do outro ajudar e ir montando). Tem muitos elementos aqui que me chamam muito a atenção, e talvez na conversa a gente possa ir não necessariamente “aprontando” o relato, talvez até demorando nele, habitando esse tempo pra pensar e viver essa escola que se apresenta agora.
E, bom, comecemos por isso: vivemos agora um mundo midiático. Nossa conversa, os contatos com o pessoal aqui nessa plataforma e nos movimentos dessa pesquisa, se dá também mediada. Não é o mesmo que uma roda de conversa na sala de aula, e temos de pensar também nessa diferença. Aprender com ela, como tu tens buscado aprender. A gente fala pouco até então disso, até por que essa mediação veio de supetão, não foi algo pensado. Desses imprevisíveis que nos pegam de surpresa (lembra, como tu bem disse: não existe o ensino infantil remoto, mas vai ter de existir. é um tanto a fórceps que algumas mediações invadiram nosso cotidiano, mas que será que tem nascido delas?).
Acho tremendamente relevante isso que apontas de que o retorno ao ensino presencial também não é bem um “retorno”, mas uma nova realidade. É outro contexto ao qual se preparar, criar modos de estar e fazer… acabamos falando tanto desse tempo de telas, mas também tem essa presença que volta que não é a mesma de antes. O trabalho mudou, a educação mudou, somos outros… E ainda sem bem saber que trabalho, educação, nós, que somos. E é um lugar frágil mesmo, que temos de aprender a lidar com. Um dia de cada vez, como repetem entre os colegas (e fico me perguntando… como se recortava o tempo antes, quando não era um dia de cada vez?).
Seguimos pensando qual o lugar e o tempo da escola, no meio (e na medialidade) disso tudo.
Obrigado pelo retorno Daniel. As rodas têm me feito rememorar o início, o desespero do que fazer e como fazer, mas também de de enxergar esta trajetória como algo muito potente para pensar o hoje. E até poder planejar o futuro, pois profes sempre planejam, não é mesmo? Tem sido uma experiência única, assim como todo o período da pandemia, a qual nos afeta de forma inteira e não só no exercício da docência. Um abraço!