Maria professora ciborgue!!! ser humano e máquina que maquina, uma ficção! Maria um híbrido. Muitas professoras em Maria, muitas práticas em Maria, muitas tecnologias educacionais em Maria, que não nasceu de um único jeito, logo, vai se construindo no curso de uma existência diversa, heterogenética.
Já são 8 horas da manhã, a aula vai começar. Com a pandemia do Covid 19, que se espalhou pelo planeta, as aulas presencias foram suspensas. Professores e professoras viram seu trabalho sofrer uma reorganização radical. O trabalho invade a casa. Seus filhos também passam a ter aulas online. Maria agora se divide entre as aulas que precisa ministrar por meio remoto, as atividades domésticas – que aumentaram bastante, pois sua ajudante também precisa ficar em casa, o distanciamento social é valoroso para preservar a vida nesse momento – e ajudar seus filhos nas aulas on line.
11 horas. “Mãe!!!!! Estamos com fome”. Hora do almoço. Arruma a mesa. Esquenta a comida que preparou na véspera. O interfone toca. Chegou uma encomenda. Maria precisa descer para buscar. Não é possível que os entregadores subam para fazer a entrega na porta de sua casa. Determinação da síndica, é preciso tomar alguns cuidados na pandemia. Ao abrir a encomenda fica feliz, chegou um livro que havia comprado pela internet: “Fragmentos de memórias malditas: invenção de si e de mundo”, de Cecilia Coimbra. Uma amiga indicou. Memórias de uma grande mulher! O livro fala das lutas realizadas por jovens na ditadora militar brasileira que sonhavam e esperançavam um país digno para todos e todas. O texto da autora destaca sua experiência nos meses que “esteve no inferno” quando foi presa. Logo primeira pagina, Maria lê uma citação de Artaud: “ […] Um homem toma posse de si mesmo por meio de lampejos, e muitas vezes, quando toma posse de si não se encontra nem se alcança”. […]. O gosto pela leitura aumentou nesses tempos. Isso é bom!
Acabou a ‘hora de descanso’. Maria precisa voltar para a tela do computador, outra aula precisa começar.
Maria ciborgue, busca maneiras de vencer os desafios desse tempo, as barreiras que a separam fisicamente das colegas nesse momento pandêmico. Busca escapar dos modos serializados e da superexploração que professoras estão vivendo nessa nova organização do trabalho docente. … se põe, então, a criar novas figuras de pensamento, se põe a criar uma ideia outra de escola e de educação e, pq não, do ofício docente.
São as adversidades que nos põem a fabular, criar mundos, cuidar do ofício docente para cuidar de cada uma de nós. Nossa terra firme tremeu? Ainda está tremendo? Para onde estamos indo? Não sabemos de antemão. Caminhos erráticos. Podem rir de mim… mas é nas nossas mancadas e tropeços que damos nascimento a interessantes fazeres. Nossas verdades colapsadas, que verdades?
Cada dia um desafio, cada gesto, cada olhar… persegue a invenção de mundos, jeitos de ser professora. Uma aventura, um desafio, uma reinvenção, peripécias cotidianas. Conversas nos corredores não são possíveis agora, hora de descanso? Corredores e descanso são palavras que precisam ser reinventadas… Não é tarefa fácil. Audácia de criar outros corredores e outros descansos… o que era sólido desmanchou-se no ar!!! Riscos, errâncias…
Maria Ciborgue coloca palavras a circular durante as aulas e nas reuniões on line da escola… As palavras não só informam, palavras fabricam, maquinam, sem a pretensão de saber a priori os efeitos que produzem. … “A margem do mundo explodiu. Ponhamo-nos a caminho!” uma palavra aqui outra acolá. Não dizemos jamais a última palavra.
Maria lembrou de uma professora que disse: Só se entra abestalhadamente.
Uma companheira chamada de desajeitada tem criado estratégias interessantes de fazer a palavra circular e o sentimento de solidão diminuir. Criar mundos outros, criar modos outros de trabalhar em educação não se faz sozinha.
Mas, afinal, um corpo abestalhado é também um corpo tático, diz uma outra colega. Corpo que insiste, existe, resiste.
Corpo abestalhado que, como tática, se lança a outros desafios. Só se entra abestalhadamente.
Maria desvia, devém, corpo abestalhado que se move para criar territórios existenciais inéditos. “Vou estudar mais… ampliar meu repertório de leitura e conhecimentos… ampliar diálogos… ser pesquisadora do meu trabalho. Criar estratégias de partilha!! Um processo fazedor de escolas não deve estancar. A pandemia pode ser um mote. Outro dia ouvi de um colega: de perna em perna nunca se tem uma perna só.
Colega! É isso! Um processo fazedor de escolas, como dizes! É isso mesmo que fazemos pela docência: fazemos escolas, fazemos educação, fazemos mundos por onde ensinamos-aprendemos! Somos fazedoras!!!!! Quanta responsabilidade!!!! Afinal, que éticas advém daí? Acho que ao me ver “fazedora” vejo sentido em tudo isso…bora lá! Essa pandemia bagunçou tudo mesmo, até mesmo o que pensava de mim, o que pensava de nós!