Sou professora de música, tenho trabalhado com essa área de conhecimento há 18 anos, iniciando antes mesmo de ingressar na Licenciatura em Música.
Há 10 anos, estou na Educação Básica e entendo a docência nesse contexto como algo em constante transformação: cada faixa-etária, cada turma, cada escola, provocam mudanças em nossa forma de propor, de planejar e de construir o conhecimento coletivamente. Essa imprevisibilidade, exige criatividade e isso é o que mais me agrada na docência.
Como a implementação do Ensino Remoto Emergencial (ERE) não foi diferente, aliás, foi um dos maiores exercícios de criatividade que já me deparei, tendo em vista os poucos recursos de que dispunha, especialmente durante o ano de 2020. A escola em que atuo, adotou a linha de manter o vínculo das/dos estudantes com a escola, tentando alcançar a todas e todos da forma mais igualitária possível. Por isso, durante algum tempo só dispusemos de uma página em pdf, sem links. Um grande desafio para quem trabalha com sons, com a escuta, se manter em contato com os/as estudantes “em silêncio”, apenas de forma escrita. Após duas semanas de tentativas frustradas, em que busquei dar continuidade ao que estava trabalhando presencialmente, consegui eleger um princípio: manter o vínculo das/dos estudantes com música. Dessa forma, passei a desenvolver um trabalho buscando incentivar as alunas e os alunos a realizarem múltiplas experiências musicais.
Em 2021, a escola ampliou as possibilidades de recursos e, assim, aumentamos também a interação entre docentes e estudantes. Não foram todas/todos que participaram, nem que realizaram as propostas e, muito menos, as/os que aproveitaram (assim como não era no presencial) mas até aqui, me sinto satisfeita com o que fui capaz de propor.
Agora, aguardo o retorno para a presencialidade, que ocorrerá de forma gradual. Que venham novos exercícios de criatividade, pois, apesar de me sentir satisfeita com o que propus, a presença, a interação, as trocas e as sonoridades têm me feito muita falta!
Profe! Seu relato diz de seus esforços para produzir um meio que viabilizasse seu ofício abalado pelas intensas transformações das estratégias (já conhecidas), para trabalhar na docência que a pandemia impôs. Docência em música que, de repente, se viu em meio ao silêncio…Que desafio! Fazer do silêncio o som…parece que foi o que fizeste! Pelo silêncio experimentado gerou-se outros modos de realizar seu trabalho…fiquei pensando na importância do silêncio para o exercício do ofício docente! Não o silêncio palavra de ordem que por vezes circula na escola mas do silêncio que abarca as múltiplas vozes sussurrantes que nos acompanham e que aguardam por serem ouvidas!
Olá, Ana! Muito obrigado por compartilhar sua história aqui com a gente.
Que desafio isso de atuar nesse contexto com ferramentas limitadas tendo de ativar outros potenciais criativos em meio a um silêncio que se impôs. Pode nos contar mais dessas experiências musicais que incentivavas os alunos a realizar? Talvez aí tenhamos uma pista interessante de como afinar as práticas docentes nesse tempo, em que estamos ainda um pouco em descompasso.
Fico pensando aqui também o que os silêncios impedem e produzem, e como se alastram nesse tempo. Me veio em mente uma história do escritor moçambicano Mia Couto, “Antes de Nascer o Mundo”. Nessa, há um menino a quem o pai chama de “afinador de silêncio”: ele se ocupa da arte de produzir quietudes. Por isso talvez ali discutiam muito as diferenças e qualidades de cada silêncio, e como alguns silêncios só se podiam fazer na companhia de alguém que entendesse e se ocupasse dele. Temos muito o que pensar por entre os exercícios de produzir e viver silêncios e sons no campo da educação… espoero que as sonoridades que tem faltado venham logo, mas enquanto isso, podemos tentar torna-las presente conversando sobre elas.