O momento era de crise! Crise sanitária e crise política em um país que padecia naquele momento de uma política flagrantemente de morte. Vários Ministros da Saúde diferentes que eram trocados com freqüência aumentando nossa sensação de insegurança em um momento de alta letalidade pelo Coronavírus, estímulo deste mesmo governo para que as pessoas arriscassem a própria pele em nome da manutenção da economia “em bom estado”. A morte circulava com desenvoltura, podíamos sentir seu cheiro no ar: mortes perpretadas pelo vírus, mortes perpetradas por uma política de governo que não teve pudor em assumir o risco de matar quando estimulou a população a expor-se a despeito dos alertas dos organismos internacionais, da saúde e da ciência, referentes aos cuidados sanitários.
Contar este percurso que nasceu no escritório de um apartamento qualquer, mas também imerso na história de um oficio docente e de pesquisa, para outras, outros e outres docentes que conosco conversariam, era o primeiro passo a ser dado e assim o fizemos. Compartilhamos nossas linhas problemáticas no campo clínico do trabalho e fomos abrindo o espectro de problemas a serem colocados, afinal nisso consiste um trabalho de análise!
As pesquisas em Clínicas do Trabalho que realizamos colocam em análise a experiência do ofício, isto é, do trabalho cultivado coletivamente envolvendo uma particular dinâmica entre instâncias que são mobilizadas para gerirmos a distância sempre presente entre Trabalho Prescrito e Trabalho Real. Trata-se, então, de análises que visam acessar a singularidade da experiência do trabalho em ato, não exatamente são as representações funcionais do trabalho1que nos interessam, os “deveres ser” do trabalho e sim, as controvérsias que envolvem um certo inacabamento do trabalho enquanto atividade, seus devires. Não se trata de análise de tarefas, e sim, da atividade como uma particular experiência de gerir os processos de trabalho por entre as infidelidades do meio2, renormatizando3, pensando em realizar, tentando, conseguindo e não conseguindo realizar4.
Toda análise inicia com a instauração de crise, já nos diz René Lourau em seu Pequeno Manual de Análise Institucional. Diz ele: “Mas, se não existe crise, como fazer uma análise institucional? Então, dê um jeito para que ela ecloda”5.
A emergência do vírus já o tinha feito!
1Clot, Yves. A Função Psicológica do Trabalho. Petrópolis/RJ: Vozes, 2006.
2Canguilhem, Georges. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. 3SCHWARTZ, Yves. A Comunidade Científica Ampliada e o Regime de Produção de Saberes. Trabalho & Educação, Belo Horizonte, n.7, jul/dez – 2000.
4Yves, Clot. Trabalho e Poder de Agir. Belo Horizonte: Sobrefactum, 2010.
5LOURAU, René. Pequeno manual de Análise Institucional. In. ALTOÉ, Sonia. René Lourau. Analista Institucional em Tempo Integral. Editora Hucitec, 2004.