No dia 18/03/2020 me despedi dos alunos, a maioria, recém-adaptados a rotina escolar de um primeiro ano do ensino fundamental:
– Até breve, turma! Em aproximadamente uns 15 dias nós estaremos de volta!
(Aqui eu acreditava que em abril as aulas presenciais voltariam)
Deixei para cada criança um apanhado de atividades grampeadas em bloco e dei alguns temas diários:
– Leiam o alfabeto e os livrinhos de histórias, cantem a música dos dias da semana que a professora ensinou, façam as atividades enviadas e se cuidem, pois logo isso tudo vai passar!
Passado o primeiro mês e a expectativa de um retorno presencial não veio, já estávamos em abril e o silêncio da escola, dos colegas e da rede de ensino deixavam aquele momento mais angustiante. Na televisão a cada notícia a situação se agravava mais e mais.
Nesta altura, eu via alguns familiares e amigos sendo demitidos de seus empregos, pais de família passando dificuldades, e eu, por ser funcionária pública, não estava sendo atingida financeiramente pela pandemia, o que me deixava feliz e ao mesmo tempo angustiada por querer fazer valer minha condição de “privilegiada”, ou seja, eu queria e precisava fazer jus ao salário que eu estava recebendo para me sentir melhor.
(Aqui eu acreditava que em junho as aulas presenciais voltariam)
No final de abril aconteceu a primeira reunião de professores em formato on-line e ali decidimos disponibilizar atividades via Rede Social para os estudantes e, desta forma, se deu nos meses seguinte, professores disponibilizando atividades em uma rede social, mas que não nos possibilitava ter retorno de quais e quantos estudantes estavam acessando ou conseguindo realizá-las junto a sua família…
Enquanto isso, a mídia explorava histórias de professores andando muitos quilômetros para acessar seus alunos, atravessando rios de barco, etc… e eu me sentindo cada vez mais uma professora triste e desestimulada, pois naquele momento nem sabia quais alunos de fato estavam realizando as tarefas que eu enviava.
(Aqui eu acreditava que em agosto as aulas presenciais voltariam)
Quanta angústia esses meses me traziam…quanta dor, quanto silêncio, quanta distância… sentia que estava tudo ao contrário do que a educação deveria ser…
Em julho, a mantenedora lançou uma plataforma educacional para postarmos atividades, essa plataforma me trouxe um alento, pois, nós professores, conseguíamos ver quais e quantos alunos estavam acessando nosso conteúdo. Mesmo que eles representassem menos de um quarto da turma, ao menos sabíamos que existiam estudantes sendo “alcançados”.
Nossos estudantes se revezavam nos retornos das tarefas, no restante do ano letivo usamos somente esta plataforma para enviar atividades, foi frustrante, complicado e desafiador…
…mas lembro, como era valoroso quando, em uma tarde qualquer, recebíamos a foto de uma criança realizando atividade e/ou mandando um recadinho para professora! Esses momentos me mantiveram firme e planejando as melhores atividades possíveis para aquelas crianças naquele momento.
(Aqui eu percebi que as aulas presenciais não voltariam)
Olá, Alfabetizadora, muito obrigado por compartilhar sua história conosco!
Realmente, o ofício foi colocado em xeque. Lendo seu relato, porém, fico em dúvida se já podemos declarar o fim de jogo, pela clara implicação afetiva e ética em fazer um bom trabalho e manter contato com os alunos e os movimentos para continuar professora. Será que foi mesmo um xeque-mate? E se for, podemos reposicionar as peças e começar outro jogo?
Achei o seu relato muito impactante, e mesmo na tristeza narrada de um contínuo reajustar de expectativas e crenças quanto a uma volta, tem algo de muito bonito que se apresenta. Uma aposta, um desejo, não sei. Talvez até às vezes um peso de ter de fazer jus a um lugar, mas também uma memória de cuidado, que diz bastante das tarefas que ficaram por fazer, que foram repassadas, que dizem dessa expectativa de reencontro em sala de aula.
Outra coisa que me tomou na leitura foi quando trata do ganho em presença que a plataforma educacional trouxe, o alento que essa trouxe. E, sobretudo, desse valor de ter a presença e o contato com os alunos, as fotos e recados. Acho que em tempos difíceis, é de extrema importância que possamos enxergar o que tem e sustenta valor, para melhor entender o que de um trabalho é importante manter na tempestade. Há certos cuidados e práticas (com o trabalho, com aqueles que são objeto do nosso trabalho) dos quais não se pode abrir mão, e teu relato deixa muito claro um desses aspectos de importância.
Espero que esse espaço nos permita conversar sobre esses valores, nossos medos e expectativas a respeito do trabalho docente nesse tempo, também das sensações que nos tomam em meio a esse viver em xeque.
Sigamos essa conversa. Talvez aqui possamos desenhar outros jogos para viver esse momento. Nas narrativas de outras professoras, outras jogadas foram também ensaiadas. Talvez no contato com essas diferentes (mas talvez, próximas) vivências, a gente possa ir trocando e se sustentando.